terça-feira, 9 de outubro de 2007

Revisão acadêmica
discurso de aposentadoria - 12 de setembro de 2002


foto: Daniel de Andrade - 1983

Olhando pros anos à frente
Vejo o futuro em lampejos
Que sejam todos felizes
Realizando seus desejos


Aqui vim sem convite
Pra dizer-lhes o que penso
Lamento se com palavras
Deixo algum presente tenso


Nestes anos acadêmicos
Aprendi a me calar
Percebi que esta casa
Não foi feita pra sonhar


Conheci a ditadura
E a falta de vergonha
Contrariei esses canhões
Fumando muita maconha


Pra muitos era uma fuga
O caminho da alienação
Mas na verdade era o jeito
De não perder a razão


Fiz panfletos subversivos
Dentro desta reitoria
Fiz teatro infantil
E muita patifaria


Eram os anos de ferro
Jovens na revolução
Que perderam a vida
Pra defender a Nação


Os anos foram passando
E a Nação acordou
O coração da moçada
Verde e amarelo brilhou


Reconquistamos o hino
E a bandeira com destreza
E ganhamos de herança
A ignorância e a pobreza


Numa escola viciada
Por anos de corrupção
Com um discurso vazio
Que não chega ao coração


Surgiram muitos partidos
Movimentos vingadores
E com camisa de força
Nos tornamos doutores


Cientistas preservadores
De uma elite cultural
Servidores em greve
Por um salário banal


Algumas mentes brilhantes
Brigam pra resolver
Um jeito que seja digno
Da gente, sobreviver


Outros, acomodados
Rezam pra não mudar
Cinderelas acadêmicas
Que não querem trabalhar


A história está escrita
Na decrepitude estrutural
Dos prédios de arquitetura
De um período colossal


Nesta casa envelhecida
Neste mesmo local
Deixamos para o futuro
Um patrimônio oficial


Cultura de um dia-a-dia
Desenvolvimento da ciência
E pra aqueles que ficam
Dose dupla de paciência


Tenho ouvido muitas queixas
Muitas palavras que mordem
Discursos estruturados
Na mais profunda desordem


O tempo passa e a escola
Vai cumprindo seu legado
Ensinando essa moçada
A ser um desempregado


Não culpem apenas a escola
Nem o seu professorado
O pacto de mediocridade
Por todos foi assinado


Tivemos até ministro
Ostentando doutorado
Levantou-se muita poeira
E ficou tudo arrasado


Ainda olho pra frente
Não me sinto derrotado
Cutuco os paradigmas
De um ensino ultrapassado


Sigo o caminho lutando
Com um discurso humanista
Sofro muito com isso
Meu coração é anarquista.