quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Ananóias
... – 20 de novembro de 2001

foto: Daniel de Andrade - 1992

Ananóias sempre fora um bom profeta. Mesmo naqueles invernos de turvar a visão ele era certeiro. A riqueza de detalhes era colossal.
Lembro, certa vez, quando ele convalescia do primeiro acidente de escada rolante, ao me ver, pegou delicadamente minha mão e citou, murmurando, um longo poema, em armênio antigo, que falava da importância de sermos apenas e com toda a intensidade, unicamente, o que somos. Fiquei perplexo com a exatidão das palavras que refletiam exatamente o seu sentimento ao cair magnificamente da escada rolante da Mesbla.
Voltei pra casa com aquelas palavras retumbando em minha mente e tudo que eu via era a cara do Ananóias balbuciando, entre pequenos gemidos, aquela jóia do pensamento armênio. Liguei imediatamente para a Lurdette, pois havíamos combinado almoçar juntos, e contei-lhe em poucas palavras o conceito profundo do poema entrelaçando com o ocorrido ao Ananóias. Ela ficou muda, pensei: celular ainda não existe por tanto não pode ser a bateria, - “Lurdette, Lurdette, você ainda esta aí?”
Muitos anos se passaram e Lurdette, então, não fazia mais parte de minhas preocupações. Há alguns anos encontrei o Libório e soube por ele que Lurdette havia casado e estava morando na Bélgica. Achei estranho, pois ela odiava a Bélgica. Num instinto investigativo fui buscar alguma pista nos álbuns de fotografias. Lurdette rindo, fazendo caretas, nua dormindo, cozinhando, nós dois no Parque Saint Hiliaire, o verão de barraca em Magistério, mas nada que pudesse me dar uma indicação de não sei o que.
À noite acendi uma ponta, que a Josianne havia deixado no cinzeiro, e liguei a TV. Para minha surpresa lá estava o Ananóias, no programa da Yvete Brandalise sendo questionado por seu perseverante hábito de cair de escadas rolantes. Ele estava todo enfaixado, seu lábio inferior um tanto inchado provocava um sibilar irritante, mas, mesmo assim fiquei fascinado por aquela magistral presença, ali na minha casa, dentro de minha TV. Por uns momentos fiquei viajando, sem prestar atenção ao que dizia, pelas ardilosas lembranças de nossas memórias. Ananóias teve um papel importante no meu discernimento.
Levantei o volume e fui até a cozinha pegar algo para comer quando escuto aquele familiar poema armênio dito, não murmurado balbuciantemente como da última vez e sim, numa versão sibilada.

Mais uma vez me impactou profundamente e foi no meio desse impacto que a Josianne chegou. Jogou as coisas sobre a mesinha da sala e veio com um sorriso cansado me dar um beijo de “oi”. Não consegui corresponder e contei-lhe sobre o Ananóias enquanto a
TV tentava me vender um “super ultra plin-plin-plin plus versão máster”,....................

OCLAHOMA SEM DESTINO

carta resposta para Daniel de Andrade ..... 23 de agosto de 1999


foto: Pablo Fabián - 1974

Quem detêm o para-plexo, do reduto sem reflexo, tem no peito uma quimera, escorrida como hera bem debaixo dos narizes.
Nas campinas e outros pagos, tenho visto com meus olhos, coisas que a boca nada diz. Coisas de torcer o nariz.
Entretanto a nuvem baixa, se entrelaçando com o campo, como um tango retorcido ou um punhado de fumo. No escuro ou manhãzinha lembro o frio de uma calçada que não fosse a parceria, hoje em dia lembraria como triste e medonho. Já passado como um sonho, a lembrança está na foto que tiraste deste amigo. Levo essa foto comigo, ou a colei em um álbum, o que importa é o espaço que dedico a esse amigo.
As vezes, não ver-te é esquisito, ainda mais sabendo o quanto te vi. As vezes faz parte das coisas que nunca ficam pra traz, que vem junto com a gente independente do dia. É aquela coisa que a gente pensa em contar e fica satisfeito de ter pensado e parte correndo pra outra como se estivesse apressado.
Ligeiro pra não fazer nada, pra repousar na vida e pilota-la deitado ou olhando pro nada. Êta pressa que eu tenho pra parar de fazer.

Se eu fosse baiano e tivesse nascido assim, sem o tal do complexo de culpa, acho que me aposentava, comprava uma rede e um chinelo macio, ficava na beira do rio contando pro rio histórias do asfalto, da gente de salto, dos que olham do alto ou moram no alto de torres absurdas.
É caro amigo Daniel Boy, a vida se fez macia. Depois de uma coronhada tem coisa que não importa.
A gente sabe que a porta protege bem pouquinho. E a tela que tem na janela é pra mosca não sair.
O tempo é uma bobagem que um dia eu inventei. Te peço um milhão de desculpas se algum dia te enganei, pois acreditava que o tempo estava ai quando nasci.
Hoje trabalho pouco, mas ando muito ocupado, deve ser porque não trabalhar, também dá muito trabalho. Vira e mexe estou na serra, na planície ou no planalto. E é tudo igual. Uns são mais iguais que outros, mas dá tudo no mesmo.

Eram duas vezes......

Reflexões do escritório de fazer tema de casa
O mundo já acabou um monte de vezes e a gente deu risada.
Atirei um pau no gato de pesado foi ao fundo...
Não foi por pouco que estamos os dois neste mundo!