... – 20 de novembro de 2001
foto: Daniel de Andrade - 1992
Ananóias sempre fora um bom profeta. Mesmo naqueles invernos de turvar a visão ele era certeiro. A riqueza de detalhes era colossal.
Lembro, certa vez, quando ele convalescia do primeiro acidente de escada rolante, ao me ver, pegou delicadamente minha mão e citou, murmurando, um longo poema, em armênio antigo, que falava da importância de sermos apenas e com toda a intensidade, unicamente, o que somos. Fiquei perplexo com a exatidão das palavras que refletiam exatamente o seu sentimento ao cair magnificamente da escada rolante da Mesbla.
Voltei pra casa com aquelas palavras retumbando em minha mente e tudo que eu via era a cara do Ananóias balbuciando, entre pequenos gemidos, aquela jóia do pensamento armênio. Liguei imediatamente para a Lurdette, pois havíamos combinado almoçar juntos, e contei-lhe em poucas palavras o conceito profundo do poema entrelaçando com o ocorrido ao Ananóias. Ela ficou muda, pensei: celular ainda não existe por tanto não pode ser a bateria, - “Lurdette, Lurdette, você ainda esta aí?”
Muitos anos se passaram e Lurdette, então, não fazia mais parte de minhas preocupações. Há alguns anos encontrei o Libório e soube por ele que Lurdette havia casado e estava morando na Bélgica. Achei estranho, pois ela odiava a Bélgica. Num instinto investigativo fui buscar alguma pista nos álbuns de fotografias. Lurdette rindo, fazendo caretas, nua dormindo, cozinhando, nós dois no Parque Saint Hiliaire, o verão de barraca em Magistério, mas nada que pudesse me dar uma indicação de não sei o que.
À noite acendi uma ponta, que a Josianne havia deixado no cinzeiro, e liguei a TV. Para minha surpresa lá estava o Ananóias, no programa da Yvete Brandalise sendo questionado por seu perseverante hábito de cair de escadas rolantes. Ele estava todo enfaixado, seu lábio inferior um tanto inchado provocava um sibilar irritante, mas, mesmo assim fiquei fascinado por aquela magistral presença, ali na minha casa, dentro de minha TV. Por uns momentos fiquei viajando, sem prestar atenção ao que dizia, pelas ardilosas lembranças de nossas memórias. Ananóias teve um papel importante no meu discernimento.
Levantei o volume e fui até a cozinha pegar algo para comer quando escuto aquele familiar poema armênio dito, não murmurado balbuciantemente como da última vez e sim, numa versão sibilada.
Mais uma vez me impactou profundamente e foi no meio desse impacto que a Josianne chegou. Jogou as coisas sobre a mesinha da sala e veio com um sorriso cansado me dar um beijo de “oi”. Não consegui corresponder e contei-lhe sobre o Ananóias enquanto a TV tentava me vender um “super ultra plin-plin-plin plus versão máster”,....................