Revisão acadêmica
discurso de aposentadoria - 12 de setembro de 2002
foto: Daniel de Andrade - 1983
Olhando pros anos à frente
Vejo o futuro em lampejos
Que sejam todos felizes
Realizando seus desejos
Aqui vim sem convite
Pra dizer-lhes o que penso
Lamento se com palavras
Deixo algum presente tenso
Nestes anos acadêmicos
Aprendi a me calar
Percebi que esta casa
Não foi feita pra sonhar
Conheci a ditadura
E a falta de vergonha
Contrariei esses canhões
Fumando muita maconha
Pra muitos era uma fuga
O caminho da alienação
Mas na verdade era o jeito
De não perder a razão
Fiz panfletos subversivos
Dentro desta reitoria
Fiz teatro infantil
E muita patifaria
Eram os anos de ferro
Jovens na revolução
Que perderam a vida
Pra defender a Nação
Os anos foram passando
E a Nação acordou
O coração da moçada
Verde e amarelo brilhou
Reconquistamos o hino
E a bandeira com destreza
E ganhamos de herança
A ignorância e a pobreza
Numa escola viciada
Por anos de corrupção
Com um discurso vazio
Que não chega ao coração
Surgiram muitos partidos
Movimentos vingadores
E com camisa de força
Nos tornamos doutores
Cientistas preservadores
De uma elite cultural
Servidores em greve
Por um salário banal
Algumas mentes brilhantes
Brigam pra resolver
Um jeito que seja digno
Da gente, sobreviver
Outros, acomodados
Rezam pra não mudar
Cinderelas acadêmicas
Que não querem trabalhar
A história está escrita
Na decrepitude estrutural
Dos prédios de arquitetura
De um período colossal
Nesta casa envelhecida
Neste mesmo local
Deixamos para o futuro
Um patrimônio oficial
Cultura de um dia-a-dia
Desenvolvimento da ciência
E pra aqueles que ficam
Dose dupla de paciência
Tenho ouvido muitas queixas
Muitas palavras que mordem
Discursos estruturados
Na mais profunda desordem
O tempo passa e a escola
Vai cumprindo seu legado
Ensinando essa moçada
A ser um desempregado
Não culpem apenas a escola
Nem o seu professorado
O pacto de mediocridade
Por todos foi assinado
Tivemos até ministro
Ostentando doutorado
Levantou-se muita poeira
E ficou tudo arrasado
Ainda olho pra frente
Não me sinto derrotado
Cutuco os paradigmas
De um ensino ultrapassado
Sigo o caminho lutando
Com um discurso humanista
Sofro muito com isso
Meu coração é anarquista.